Uma boa conversa

Audio: Uma boa conversa.

Há circunstâncias que quase todas as pessoas veem como sendo indissociáveis. O mar e o sal, a areia e a praia, o vento e a tempestade, o sol e o calor, um livro como tema de conversa acompanhado por um bom vinho.

A senhora com quem hoje converso não lê com frequência, gestora de profissão faltam-se-lhe as horas para o fazer. Não dispensa, ainda assim, a companhia de um livro numa varanda onde o sol aquece ou, na ausência deste, com  um cobertor que lhe serve de ninho.

Cresceu com brinquedos, daqueles em madeira que vemos nos filmes e no seu discurso faz-se ouvir voz de menina, vestígios de DNA de brincadeiras e imaginação, onde se guardam segredos que só o tempo poderá, ou não, deslindar.

Lembra-se de receber cartas e sente saudades do frio na barriga que sentia a cada vez que na caixa de correio de casa tinha um postal endereçado a si. Deviam ser cartas secretas, confissões que lhe eram partilhadas, porque se escudava de as mostrar e era-lhe imperativo correr furtivamente para se refugiar no deleite da sua leitura, com recato.

São os sossegos que mais se ouvem nas suas palavras, diz que não gosta do timbre da sua voz e por isso resguarda os outros e a si mesma de se fazer ouvir quando lê. Discordo, o seu timbre é doce e feliz.

Para a minha companheira de hoje, à semelhança das estações do ano que se nos apresentam ainda com vestígios de alguma história meteorológica, os livros carregam exclusivas temperaturas, tempestades, chuvas, ventos e também dias de sol ou de folhas caídas. Há uma reciprocidade atmosférica entre frases gravadas em papel.

Quando lhe peço uma memória, imediata, relacionada com livros lança-me O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde, que leu deslumbrada, às escondidas e aos bocadinhos quando era mais miúda. Shhh! É um segredo!

Na encadernação reconhece o impacto que tem nas pessoas, admiradora do livro enquanto objecto maravilha-se com as capas e o aprazível entorpecimento que as mesmas suscitam sobre quem as vê e sente.

Faz-se confidente de si própria em textos que um dia irá escrever ou alguém escreverá por si, que de si falarão e seriam estes que gostaria de ver encadernados, eternizando a sua pessoa e materializando os seus pensamentos e a sua vida. Resultará num trabalho elegante e pleno de delicadeza, tal qual esta senhora.

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