Um charuto

Audio: Um charuto.

Inauguro este escrito com uma passagem do Livro do Desassossego que, em aleatória abertura de página, se me assomou como que sabendo ao que ia.

“Na verdade, ao ir, perdi-me em meditações abstractas, vendo sem ver paisagens aquáticas que me alegrava ir ver, e ao voltar perdi-me na fixação destas sensações.”

Nesta conversa escrita, imaginei-me numa embarcação enquanto lia as respostas do meu companheiro de conversa de hoje, tantas vezes mencionados elementos que consideram o que mais desconhecido e fascinante existe, o mar!

Esta imensidão de água salgada surge por inúmeras circunstâncias escrita, tem tal menção de destaque que me leva a crer que este senhor porventura nem de barco precise para fazer dos oceanos a sua morada.

Marinheiro de profissão, previa desde criança que quando crescesse navegaria, vendo-se em sonhos em repetições distintas da sua figura ao leme, rumo à sua vida.

Homem afortunado dada a inexistência de dúvidas, manteve de tal forma a sua ideia fixa conseguindo assim chegar ao destino que lhe estava designado; ainda que alguns caminhos o tenham levado, em modo de passagem, por outras andanças em terra firme.

Olho-o como um descobridor, navegador, consagrando a vida às travessias, um lobo solitário que não se autoriza andar à deriva, ancorando em portos por si escolhidos, seguindo rumo escoltado por ventos e marés, rastreando correntes submersas que transportam faunas admiráveis e desbravando florestas subaquáticas inalcançáveis a muitos.

Imagino que tenha tido encontros com piratas saqueadores, de quem se fez amigo partilhando um charuto, que a seu ver é o que vai bem com livros e talvez uma garrafa de rum. Mas não só de sustos e tormentas se faz a sua vida, os encontros com sereias que enfeitiçam suscitam o imaginário de quem ouve as histórias daqueles que sulcam as ondas onde são sempre presentes os cantos inebriantes daquelas mulheres peixe.

Não lê com frequência nem sequer em voz alta e cartas também não as envia, possivelmente porque não há marcos de correio no meio das águas que mareia. É pena, as histórias em si guardadas seriam acarinhadas por um qualquer anónimo que as recebesse enroladas dentro de uma garrafa, quando dessem à costa numa praia algures no planeta.

Quando pergunto onde é que mais gosta de estar com um livro responde numa esplanada. Vislumbro de imediato uma estrategicamente assente na proa de um navio com vista ao infinito. Aqui nos dias frios de outono ou inverno, ideal para abraçar a solidão leria episódios narrados por outros homens do mar.

A solidão e a sensibilidade andam de mãos dadas, guardando em si tesouros encontrados em baús de barcos encalhados que merecem ser preservados em escritos e manuscritos encadernados; vê assim a encadernação como coisa do presente, para proteger o passado. Assim a vejo também.

Um livro que gostaria de ver encadernado? Diz-me que qualquer um que fosse antigo e lhe amarrasse os sentimentos.

Depois da nossa prosa diria eu que, para este marinheiro, um livro a encadernar seria um diário de bordo, aflorado de passagens e menções às longínquas travessias mar fora, em torno do mundo, quiçá a sua aventura rumo ao distante Cape Horn. 

Certeza tenho que seria um livro de mar, mar, mar!

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