
Audio: Introspecção.
Há relações que se criam e sentimentos que surgem sem serem convidados. Ocorre em encontros onde nos aquietamos em conversa durante horas, em viagens, em leituras, …
À medicina tem-se associado elementos artísticos que, racionalmente, se poderiam contrapor com a cientificidade da profissão. Sabemos que inúmeros profissionais ligados a esta área revelam, em privado, através de manifestações artísticas ou literárias o abstracto do seu pensamento e da sua génese.
O meu companheiro nesta conversa, médico-dentista de profissão, diz que nos seus momentos de leitura não deixa ouvir a sua voz. Entendo que a absorção das narrativas lhe concede um estado de observação da sua própria consciência.
É tal resultado, a meu ver, uma singular leitura interior do ser, onde a análise percepciona um enlace entre o “eu” e o que as linhas que olha encerram.
Recordo-me de uma passagem num livro onde se lê ‘…Benévolo e paciente leitor, o que eu tenho decerto ainda é consciência …’ e concretizo a sua lógica escolha para o livro que gostaria de ver encadernado.
A relação torna-se obvia à medida que as palavras se soltam.
Foi-me curioso, também por isso, apreender a ideia de que o seu hobbie tropeçasse nas tecnologias, bem como em livros reais que se pegam e se sentem.
Não sendo proibitiva, durante todo o ano, a convivência com o objecto de mui nobre valor, é durante as estações frias que prefere a intimidade solitária de um bom livro.
Salpica as leituras com o acto fortuito da escrita de cartas, porquanto destas resultam diálogos distantes, ainda assim conversas. As leituras não se lhe podem assimilar, compreendem uma relação consigo próprio, numa solidão que a troca de correspondência, a gosto de papel e caneta, quebra.
Quando pergunto que livro gostaria de ver encadernado refere aquele que, compreendo, percorre uma jornada intemporal ao longo de cerca de 80km, reunindo por entre páginas e personagens, mentalidades e críticas sociais e políticas, onde a categoria de romance ascende, na época, ao exuberante.
Acreditando que o trabalho de encadernação faz parte do agora, elege como livro a encadernar, a obra que deu ares de si no texto de hoje, onde o trajecto de reflexão do autor e as construções visuais de múltiplas histórias concedem o plural do título daquele que, numa realidade geográfica, foi um único percurso – As Viagens na Minha Terra.
Quando questiono o que, para si, vai bem com livros; não me surpreende a resposta – Introspecção, what else!